Monday, August 03, 2009

Se houvesse um livro sobre este corredor



Começaria assim: há uma estrada dentro da casa
com rodapés de pinho nas esquinas
e lâmpadas na parede que conferem ao caminho
uma certa infinitude, a noite

Lembro do dia em que deixei o carteiro esperando no corredor
no meu quarto, desenhei sua "cara de maçã" enquanto esperava
na sombra

Não importa o quão desimportante, é uma cena da história
uma história no livro

Será que os sonhos se passam em corredores porque a perspectiva é estranha?
ou porque são são grandes palcos, sem uso, dentro de casa?
O corredor era o leito seco de um rio, sonhei uma noite
Uma estrada indígena, noutra noite
(e pode mesmo ter sido um dos dois antes da casa estar lá)

E nunca ouvi o carteiro indo embora, mas vi que havia ido
quando saí do quarto para pendurar o desenho na parede

Ventos azedos de lustra-móveis circulam pelo corredor
Antes pinheiros, em lugar das portas

Se Cristo houvesse morrido em um corredor, talvez rezássemos em corredores
Ou usariamos pequenos corredores dourados em volta do pescoço
Como pode continuar tão frio depois de tantas passadas?

Um fora que, de alguma maneira, é dentro.

2 comments:

Rafael Mantovani said...

muito bom! lembrei da música "Janelas abertas no. 2":

"... percorrer correndo corredores em silêncio / perder as paredes aparentes do edifício / penetrar no labirinto / num labirinto de labirintos dentro do apartamento"

Beatriz Antunes said...

Querido, que delícia finalmente ler alguma coisa em português escrita por você. E ainda por cima nesse estilo poema-prosa, que eu adoro. fiquei com a cena de "você" desenhando o carteiro com cara de maçã na cabeça. Beijos